Manhã esbranquiçada. O frio faz com que feche as janelas do automóvel. O som alto proíbe o barulho estressante da rua, a marginal livre e a velocidade trazem o esboço de uma sensação quase feliz. O caminho está claro, a única preocupação que martela minha cabeça "Será que vão me deixar entrar?".
Como esperado, consigo subir a ponte; um homem com uma bicicleta pede passagem. Paro educadamente, mas, em meu interior, sinto a irritação de motorista impaciente. Olho no espelho, os carros enfileiram-se. Volto os olhos e vejo que o obstáculo se foi. Finalmente recupero o horizonte.
Mais uma vez, as preocupações dissipam-se, penso em abrir os vidros para sentir o vento em meus cabelos, mas, o frio rachante parece tentar manter-me enclausurado nos poucos metros quadrados do Peugeot 106, que já havia me acompanhado por tantas desventuras. Sem perceber, aproximo-me do escritório. Um turbilhão de responsabilidades, cobranças e stress voltam a me rodear. Lembro do magro salário que recebo e sou atingido por ódios e palavras que, até cinco minutos atrás, não esperava ter contato.
Último farol antes do estacionamento; um senhor de média estatura, óculos de aro tartaruga negros, calvo, cabelo branco e esgarçado, colete de lã rasgado e um saco de plástico nas mãos entra na frente dos carros. Imediatamente meu senso de esquiva faz com que minhas unhas pareçam ter 20 centímetros e começo a roê-las. Olho disfarçadamente a passagem do velho. "Será que ele vai parar aqui?". Fico cada vez mais tenso, o sentimento de impotência ante o fato é grande. Finalmente o senhor para ao meu lado. Tento ignorá-lo, mas, sinto o teor vil dessa atitude, então resolvo encará-lo. Erro terrível. Ao olhar atentamente para os olhos desse homem sinto toda sua angústia, a dor de ter trabalhado toda sua vida e não conseguir manter-se na velhice. As rugas em seu rosto contavam sua história melhor que qualquer um, até que ele próprio. Eram as fibras gastas em anos de sofrimento, desvalorização e muito trabalho que terminariam ali, em um farol entre a Av. Faria Lima e a Rua Amauri. Seus olhos pareciam querer chorar, mas, antes que as lágrimas esvaíssem de seus olhos, percebeu que a fila de carros continuava. "Quem sabe no próximo??".
O farol abre e continuo meu caminho, um pouco mais triste, um pouco mais prudente com meus demônios, um pouco mais indignado. Pensei, então: como pode alguns querer tanto e até desviar dinheiro público para ter mais conforto e outros desejarem apenas um real para garantir o almoço?!
Mundo injusto? Pessoas injustas? Qual a solução? Você tem essas respostas?
segunda-feira, setembro 19, 2005
Crônica: Nos amargos olhos de Setembro
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4 comentários:
Você tem jeito com a escrita, menino. Escreve muito bem...passa a mensagem, suas engústias e percepções.
Adorei!
Escreva mais
beijos
O texto está ótimo.... parece até que estamos vivenciando a cena.. excelentes progressos em Felipe... mas no final vc poderia deixar uma mensagem bem positiva, esse tipo de contraste brinca com as pessoas... naum achas ?
Abs,
AMS
Ae sua bixa , v c faz um post sobre como foi a praia , a gente zuou tanto e vc ñ escreve nada sobre lá VSF , assim vou ter q t dar lingüadinhas no bumbum ...
Isso foi realmente mto gay, diego.....
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